Com a evolução da crise sanitária causada pelo COVID-19, as autoridades administrativas vem tomando decisões para enfrentamento da situação de emergência pública e crise sanitária, no intuito de evitar situações de potencial aglomeração de pessoas e forçar o isolamento social.
Dentre outras medidas, as autoridades administrativas de diversas localidades vêm decretando a suspensão temporária das atividades de diversos segmentos econômicos, não aplicando a restrição apenas para as “atividades essenciais”.
Quais os impactos das medidas nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, de incorporação imobiliária e de locação de imóveis não residenciais, analisando os interesses dos construtores, incorporadores e/ou locadores?
1. Construção Civil
O setor da construção civil poder ter dificuldades com fornecedores de matérias-primas e equipamentos, podendo ainda ocorrer a paralisação da mão de obra, causando atrasos nas obras.
Alguns contratos de construção possuem cláusulas tratando expressamente das situações de caso fortuito e força maior, dirimindo possíveis conflitos entre os contratantes.
Não obstante o Código Civil, estabelecer como regra nos artigos 619 e 620, que os riscos da oscilação dos custos de mão-de-obra e de materiais, bem como os riscos ordinários quanto ao prazo de conclusão das obras correm por conta do empreiteiro construtor, o artigo 625 do Código Civil estabelece a possibilidade de suspensão da obra por motivo de força maior, cabendo a demonstração do nexo causal entre a suspensão e o evento causador pela construtora.
Desse modo, eventuais atrasos decorrentes de paralisações ou restrições de acesso, impostas pelo Poder Público, afetando o andamento das obras, caracterizam exceções previstas no Código Civil, com a exclusão de responsabilidade por caso fortuito ou de força maior e a revisão ou resolução por excessiva onerosidade superveniente, em decorrência de acontecimento superveniente, extraordinário e imprevisível.
2. Incorporações Imobiliárias.
O setor da incorporação imobiliária também sofre risco de ser impactado pela crise sanitária, tanto pelos atrasos de obras, quanto pela crise econômica que já apresenta indícios de agravamento.
Alguns instrumentos de compra e venda de terrenos para futura incorporação estabelecem cláusulas de irretratabilidade e irrevogabilidade, não prevendo a rescisão unilateral.
Mesmo sem previsão contratual expressa, transcorrido o prazo de 07 dias para o exercício do arrependimento pelo adquirente, será observada a irretratabilidade do contrato de incorporação imobiliária.
Do mesmo modo que nos contratos de construção civil, os instrumentos de incorporação poderão estabelecer cláusulas tratando expressamente das situações de caso fortuito e força maior e, ainda, se valer do disposto no artigos 393 e 625 do Código Civil, tratados no tópico anterior (suspensão da obra e exclusão de responsabilidade por motivo de força maior).
3. Atraso e Resolução Contratual.
A Lei 13.786/2018, que disciplina a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano, estabelece prazo de entrega do imóvel em até 180 dias corridos da data estipulada contratualmente com data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuada, não dando causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejando o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.
Convém mencionar que a crise sanitária causada pelo COVID-19 é uma situação gravosa e de interesse público que permite a possibilidade do prazo ser prorrogado por ato de autoridade administrativa ou ainda por decisão judicial.
Optando o promissário comprador pela resilição contratual (por simples manifestação de vontade), após decorrido o prazo previsto em lei de 180 dias (considerando não haver prorrogação por ato de autoridade administrativa ou ainda por decisão judicial), vale destacar que o promissário comprador deverá suportar a pena convencional de 25% da quantia paga (ou 50% da quantia paga, se a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação), independente de comprovação de prejuízo pelo incorporador.
4. Locações Não Residenciais.
As relações contratuais são regidas por princípios que norteiam o negócio jurídico resultante do acordo de vontades, tais como, a autonomia da vontade, a obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda), a boa-fé subjetiva e objetiva, a relatividade dos efeitos contratuais, a função social dos contratos, o equilíbrio econômico dos contratantes e a supremacia da ordem pública.
Considerando que o desequilíbrio econômico-financeiro, na maioria dos casos impactará o locatário, como o locador poderá dirimir eventuais prejuízos decorrentes de atrasos, suspensão ou mesmo resolução contratual por onerosidade excessiva?
Não constitui demasia assinalar que a regra contratual é a do cumprimento das obrigações contratadas, aplicando os institutos da revisão contratual e da resolução por onerosidade excessiva, em caráter excepcional.
Nesse contexto, importa mencionar que o locatário deverá comprovar o desequilíbrio econômico-financeiro, demonstrando a significativa queda na receita, impactando no pagamento dos compromissos financeiros como um todo e não somente por considerar que o pagamento dos alugueis não é prioritário.
Cabe ainda pontuar que em alguns casos o valor do aluguel recebido pelo locador é sua única fonte de renda ou ainda fonte de renda que se reduzida ou suprimida, também irá causar desequilíbrio econômico-financeiro para a outra parte.
Considerando a comprovação preliminar do desequilíbrio, as partes passarão a negociar a redução ou a prorrogação do vencimento do aluguel contratado, que não implica a alteração definitiva do valor originalmente pactuado.
Desse modo, as partes devem definir como as diferenças da redução ou da prorrogação, serão pagas pelo devedor (valores e prazos), discutindo a possibilidade de correção monetária e juros compensatórios (que não se confundem com juros moratórios).